‘O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho’ (Mc 1,15).
Este chamado de Cristo se dirige a cada um de nós.
O homem foi feito para Deus. Para se
realizar Nele, plenamente, participando de sua divindade e desfrutando
do seu amor. O centro de sua vida, de suas atenções, e de todas as suas
atividades deveria ser unicamente Deus. Como dizia São Francisco um
convertido perfeito: ”meu Deus e meu Tudo”.
O homem convertido é aquele que voltou-se definitiva e totalmente para Deus, como os santos o fizeram.
O pecado original nos deixou ‘órfãos’ de
Deus, e nos colocou no lugar Dele. Passamos a ‘servir’ e a ‘adorar’ a
nós mesmos, ao invés de servirmos e adorarmos a Deus.
O nosso processo de conversão consiste,
portanto, em retirar o nosso “Eu” do trono do coração, para aí deixarmos
reinar Deus. E isto é um processo, que pode durar a vida toda, ou ainda
mais. Até após a morte a Igreja ensina que, em uma nova dimensão de
vida, poderemos continuar a obra de nossa conversão para Deus, no
purgatório.
A conversão é um caminho estreito porque
exige ‘morrer’ para si mesmo e para o mundo. Neste aspecto Jesus foi
muito claro e não deixou dúvida:
‘Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’ ( Mt16,24; Lc 23,27).
Seguir a Jesus implica em morrer para si mesmo, para o egoísmo, para a vaidade, para o próprio orgulho, a fim de estar totalmente disponível para fazer a vontade de Deus. Isto não é fácil. Na verdade, chega a ser quase impossível face à nossa natureza decaída. É preciso a graça de Deus a nos mover nesta dura caminhada. Mas, quando queremos nos converter, a graça de Deus nunca nos falta; porque, antes de mais nada, este é o desejo do Senhor.
‘Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação’ (1Tess 4,3), diz São Paulo.
‘Se o grão de trigo que cai na terra não
morrer, permanecerá só; mas se morrer produzirá muito fruto. Quem ama
sua vida a perde e quem perde a sua vida neste mundo, guardá-a para a
vida eterna’ (Jo 12,24-25).
É preciso estar disposto a ‘perder a vida para ganhá-la’.
‘Entrai pela porta estreita, porque
larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição… Estreita,
porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida’ (Mt7,13).
E Jesus concluiu dizendo que ‘são poucos os que o encontram’; ‘Só os violentos [consigo] arrebatam o Reino’.
Deus fez do sofrimento a matéria prima da salvação, como disse Michel Quoist. Mais do que a própria oração, o sofrimento, aceito com paciência e oferecido a Deus na fé, é o melhor agente da conversão pessoal. Não é a toa que os santos falavam do ‘martírio da paciência’ que nos leva ao céu.
Quando Deus permite que o sofrimento nos
atinja, Ele tem para conosco um desígnio de salvação. O sofrimento não é
castigo mandado por Deus, mas certamente é correção. A carta aos
Hebreus diz que ‘o Senhor educa a quem ama, e corrige todo filho que o
acolhe’ (Hb 12,6). E continua:
‘É para vossa educação que sofreis. Deus
vos trata como filhos… Deus nos educa para o aproveitamento, a fim de
nos comunicar a sua santidade’ (Hb 12,7).
As ervas daninhas do jardim da nossa alma têm raízes profundas em nós, e é nelas que se apega o nosso Ego, cheio de orgulho, de vaidade, de amor próprio, eivado de paixões, afetos desordenados, apego às coisas materiais, ao dinheiro, às pessoas e a si mesmo, não deixando espaço para Deus reinar em nós, como deve ser. O sofrimento acolhido com ação de graças, na fé, e oferecido a Deus como Jesus o fez, é o remédio propício para matar as raízes profundas das ervas daninhas do nosso Eu. Somente a cruz nos liberta de nós mesmos e nos faz ‘morrer’ a qualquer outro amor e afeição que não seja Deus. Por isso, é preciso saber sofrer; por amor a Deus; para que Ele reine em nós. São Paulo disse que:
‘A linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus’ (1 Cor 1,18).
Cada vez que suportamos o sofrimento, qualquer que seja ele, vindo da parte dos homens ou de Deus, com paciência e fé, Deus nos cura, salva e liberta. Santa Teresa D’Ávila dizia que: ‘os mais queridos de Deus são os que mais sofrem´, como Jesus, mas que ‘Deus não manda um sofrimento sem pagá´lo com algum favor’.
São Tiago afirma que ‘a paciência produz uma obra perfeita´ (Tg 1,4) e que é ‘feliz o homem que suporta a provação’ (Tg 1,12).
Quando se abraça as cruzes que Deus manda, elas ficam mais leves, diz Santa Teresa… ‘Tome a sua cruz, a cada dia, e siga-me (Lc 9,23), sem se lamentar, sem mau humor, sem revolta na alma, sem repugnância… Este é o caminho da conversão. É um trabalho diário… até a santificação.
Os santos são unânimes em afirmar que não se pode fazer nada melhor para Deus do que ‘sofrer com paciência todas as amarguras da vida’. São Paulo expressou isto dizendo:
‘Completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, pelo seu corpo , que é a Igreja’ (Col 1,24).
‘Nós somos o Corpo de Cristo, a Igreja’
(1Cor 12,27), e este seu Corpo também precisa passar pela paixão para
entrar na glória, assim como Jesus. Isto vale mais para a nossa
conversão do que todos os exercícios espirituais, diz Santo Afonso. É o
remédio pelo qual Deus destrói em nós as más inclinações interiores e
exteriores, consequência da corrupção do pecado, e nos conduz à perfeita
conversão.
Contudo, é preciso ficar claro que este
caminho de ‘renúncia a si mesmo’ e de abnegação, não é um caminho de
tristeza e frustração, como alguns podem pensar, não. Ao contrário, é um
caminho de paz e felicidade, alegria e liberdade. O maior carrasco de
cada um de nós é o nosso próprio Eu, cheio de más inclinações e de
vontades. Livrar-se do próprio Eu, colocá-lo no devido lugar, é viver
verdadeiramente como homem, segundo a vontade de Deus, e não como um
farrapo humano que vive se arrastando pela vida, dominado pelos prazeres
e pelas más inclinações. Esta ascese cristã não quer dizer que nos
desprezaremos, ou que enterraremos os nossos talentos; ao contrário, os
desenvolveremos ao máximo das suas potencialidades, não porém, para
satisfazer o nosso egoísmo, mas para colocá- los mais e melhor a serviço
de Deus e dos irmãos.
Prof Felipe Aquino
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